Espionagem ilegal da Abin expôs dados do povo e governo brasileiros em Israel

Sob comando de Heleno, Ramagem usou Abin para espionar mais de 30 mil brasileiros. Dados coletados ficaram em uma nuvem em Israel.

Abin forneceu dados de brasileiros espionados a empresa israelense. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Uma nova investigação contra o deputado bolsonarista e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, revelou que a Abin guardou dados de mais de 30 mil brasileiros espionados ilegalmente em servidores em nuvem sediados em Israel. Dentre os espionados estão jornalistas, sindicalistas e professores opositores ao governo de Bolsonaro, mas também políticos e juízes tidos como “desafetos” do ex-presidente. A espionagem pode ter fornecido a Israel dados sobre operações estratégicas do governo brasileiro, informações que podem comprovar que a Abin violou o respeito à integridade nacional, como descrito na “Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Recairá sobre a agência espiã a mesma pena que atualmente tem sido direcionada de forma injusta e ilegal contra manifestantes populares?

A operação é um desdobramento de investigações em voga desde o ano passado, quando foi revelado que a Abin havia realizado mais de 33 mil monitoramentos ilegais de telefone durante os três primeiros anos do governo de Bolsonaro. Agora, as investigações têm avançado para comprovar quem foi investigado e outros usos e ações irregulares da Abin.

Espionagem total, com uma exceção 

A espionagem foi feita por meio do aplicativo First Mile, da empresa israelense Cognyte. O Cognyte foi contratado em 2018, sem licitação, pelo ex-presidente Michel Temer, e mantido por Bolsonaro até maio de 2021. Por meio dele, os espiões conseguem usar o contato de redes 2G, 3G e 4G com torres telefônicas para rastrear a localização de celulares, e assim monitorar os movimentos dos espionados e cruzar relações pessoais. 

Todos esses dados eram armazenados em uma nuvem da empresa Cognyte, que por sua vez tinha ampla facilidade em acessar as informações dos brasileiros e identificá-los. No aplicativo, os espionados são identificados por números, mas a Cognyte também tinha acesso a uma planilha que cruzava os números de identificação com os números de telefone, facilitando a identificação pessoal de cada vítima. A espionagem podia ser feita contra qualquer um, com uma única exceção: o contrato impede que cidadãos israelenses ou norte-americanos sejam alvos do aplicativo.

Traição nacional

Assim, foram dezenas de milhares de brasileiros, dentre eles ativistas, professores e jornalistas progressistas ou democráticos que foram espionados de forma ilegal pela Abin, que passou as informações coletadas a uma empresa israelense. Ao envolver juízes e políticos, a espionagem, além de entregar informações sigilosas e sensíveis roubadas dos do povo brasileiro, dava à empresa sionista um panorama completo sobre os meandros da “política oficial” do Brasil. De acordo com integrantes da própria Abin ouvidos pelo jornal monopolista O Globo “esse modelo de armazenamento de informações em outro país representava um risco de exposição de operações estratégicas do governo brasileiro”. 

Dois pesos, duas medidas

O esquema montado por Ramagem é um ataque grave contra a Nação, que merece o máximo de seriedade no tratamento. O atual deputado não coordenou a teia ilegal de violação aos direitos da população sozinho: contou com conivência direta do ex-presidente, Jair Bolsonaro, e de Augusto Heleno, que coordenava o órgão fiscalizador da Abin, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). 

As atividades dos três, e dos órgãos como instituição, chegam perto de violar a “Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito”, atualmente usada para criminalizar manifestantes populares que lutam contra a alta da tarifa em São Paulo. O texto consta no artigo 359-K do Capítulo 1 (dos crimes contra a soberania nacional), título XII (dos crimes contra o Estado Democrático de direito) da Lei n° 14.197: 

Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional: 

Pena – reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos

Ainda não se sabe se dados classificados como “secretos ou ultrassecretos” foram coletados, mas, como já pontuado, as informações disponibilizadas por Ramagem, Heleno e Bolsonaro podem ter comprometido “operações estratégicas do governo brasileiro”. Não há sinais, contudo, do uso da lei n° 14.197 contra a gangue.

Verdadeiros propósitos

Enquanto isso, com muito menos fundamento, a mesma lei reacionária é aplicada com severidade contra mais de dez manifestantes populares em São Paulo, cujo único “crime” foi exigir o fim do aumento da tarifa do transporte público e passe-livre. A criminalização foi resultado de um verdadeiro malabarismo. Presos na rua antes mesmo de chegar ao protesto, na delegacia os manifestantes foram autuados pela lei pela posse de garrafas de vinagre, alguns instrumentos cortantes, gasolina e álcool. Outros conteúdos, como pôsteres da manifestações com jargões como “Se a tarifa não abaixar, São Paulo vai parar”, e fotos de coquetéis molotovs tiradas sem contexto da internet também foram usadas. Os manifestantes acabaram liberados, mas sete deles estão proibidos de ir a protestos e fiscalizados por tornozeleiras eletrônicas. O Ministério Público paulista chegou a tentar mover um pedido de prisão contra eles, mas foi bloqueado pelo Tribunal de Justiça. 

Quando aprovada, a Lei n° 14.197 foi amplamente denunciada por entidades democráticas pelo seu caráter repressivo. Substituta do espólio jurídico do regime militar chamado Lei de Segurança Nacional, o texto de n° 14.197 não resolveu nenhum problema de sua antecessora, senão piorou o nível da repressão jurídica. 

Três anos após a troca, a “justiça” e o Estado brasileiro não deixam dúvidas dos propósitos da lei: atingir em cheio o movimento popular e quaisquer demonstrações revoltosas das massas contra as medidas antipopulares ou das pioras nas condições de vida. Aos “senhores do país”, verdadeiros criminosos contra o povo e Nação, impunidade total. 

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